Deputado que preside comissão que avaliará o tema fala ao site de VEJA. E diz que sistemas de internação também são universidades do crime
5
Projetos
espinhosos costumam permanecer por anos engavetados no Congresso
Nacional até que o clamor popular ou um parlamentar influente reavivem o
tema. A confluência dos dois fatores resultou, na semana passada, no avanço da proposta de redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Por trás da aprovação do texto pela Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) está o empenho pessoal do presidente da Casa, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), amparado por pesquisa Ibope do ano passado segundo a
qual, para 83% dos brasileiros, adolescentes de 16 anos devem responder
como adultos por seus crimes. Nesta quarta-feira o projeto avançou
novamente, com a instalação da comissão especial que discutirá a emenda à
Constituição que altera a idade penal. O eleito para comandar os
trabalhos é o deputado André Moura (PSC-SE), conhecido defensor do tema.
Para ele, é "ultrapassado" o discurso de que adolescentes de 16 anos
não têm discernimento de seus atos - assim como são questionáveis os
argumentos de que o sistema penitenciário está inflado e não tem
condições de recuperar o infrator. "Os sistemas de internação também são
universidades do crime. A estatística mostra que a reincidência dos
adolescentes nas unidades de ressocialização é muito alta", afirma. A
seguir, confira entrevista de Moura ao site de VEJA.
Qual sua avaliação sobre a redução da maioridade penal?
Primeiro, é preciso deixar bem claro que a redução da maioridade penal
não é a solução para o problema da segurança no país. Mas faz justiça e
vai contribuir para melhorar, ou pelo menos diminuir, os índices
alarmantes e cada vez mais crescentes de violência. Nós não podemos mais
permitir que aqueles que são contrários à proposta continuem com o
discurso antigo e já ultrapassado de que o adolescente não tem
discernimento ou maturidade para entender um ato por ele praticado. Esse
discurso poderia ser feito sobre os adolescentes da década de 1950 ou
1960, mas não do jovem de 2015. Um adolescente de 16 anos tem conquistas
que ao longo do tempo lhe foram garantidas, como o direito de votar ou,
se emancipado, casar ou abrir uma empresa. Não é mais inocente. Ninguém
que hoje tenha sensatez ou bom senso vai dizer que um jovem de 16 ou 17
anos vai matar, praticar um assalto à mão armada ou estuprar sem saber o
que está fazendo. Ele sabe o que está fazendo e tem consciência de que a
legislação atual o deixa impune. E como ficam a dor, a mágoa e a
situação que ele criou para uma família? Há uma legislação injusta que
diz que o adolescente, independente do crime que cometeu, ao completar a
maioridade, é considerado réu primário.
Mas e as medidas socioeducativas?
Elas também não resolvem. Quem é contrário à redução defende que são
necessárias políticas públicas eficientes. Eu concordo. Mas nós vamos
passar mais quantos anos esperando que tenhamos no país a educação de
excelência, a política de geração de emprego e renda eficiente e as
políticas públicas de extrema qualidade para depois pensar na redução da
maioridade? Vamos passar mais quantos anos esperando? E, nesse
intervalo, serão quantas as vítimas dessa bandidagem que toma conta do
país?
Entidades contrárias ao projeto argumentam que
adolescentes de 16 e 17 anos são responsáveis apenas por 1% dos casos de
homicídios registrados no país. Quem me garante que esse é um
número real? Esse número não pode ser real, ele não existe. Porque se
formos avaliar a realidade do dia a dia nos Estados, obteremos um número
maior do que esse 1%. Mas, considerando que esse índice seja real,
quantos crimes são cometidos em um ano? Não é ignorável a dor das
famílias vítimas desses adolescentes. E mais: os países desenvolvidos no
mundo que têm serviços de qualidade muito melhores do que no nosso nem
por isso deixaram de ter a maioridade penal com 12, 14 ou 16 anos. Vamos
avaliar a Alemanha, os Estados Unidos, a França. As políticas públicas
de lá são de qualidade muito maior do que no Brasil e nem por isso eles
deixaram de reduzir a maioridade. As coisas têm de ser paralelas.
O
senhor defende uma idade penal variada conforme o crime cometido? Uma
medida alternativa à redução pode ser aprovada na comissão? Eu
sou defensor da redução da maioridade penal, mas a minha posição
enquanto presidente da comissão será de magistrado. Eu darei a todos os
lados a condição igualitária de discutir, debater e trazer pontos de
vista. Há uma flexibilidade. A comissão especial vai analisar todas as
propostas apensadas à PEC 171/93 (objeto do colegiado), com posições
mais rígidas ou específicas para crimes hediondos. Eu penso que para
crimes de menor porte, como um roubo comum, a punição deve ser aquela
que está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Paralelamente, já está sendo preparada a discussão do endurecimento do estatuto - mas isso será analisado em outro colegiado.
Há uma omissão do poder público em políticas voltadas aos adolescentes? Eu não diria que uma omissão por completo, mas o que está previsto no ECA não é cumprido no nosso país. E nós vamos esperar que o ECA
seja cumprido na sua totalidade para depois pensar na redução na
maioridade penal? Mas como, se os governos - tanto os que passaram como o
atual - não se preocupam em cumprir o que está previsto no estatuto?
Onde estão as políticas públicas de cultura, lazer, esporte, educação e
saúde para os nossos adolescentes? E é bom deixar claro que a redução
vai servir paras negros e brancos, ricos e pobres. Esse discurso da
classe social e da cor não pode ser majoritário. A legislação é para
todos.
O PT e o governo são contrários à alteração. Qual a influência dessa oposição?
Vejamos que contraditório: quem comanda o país há 14 anos? É o PT. Por
que em todo esse tempo o partido não implementou as políticas públicas?
Ou então reconhece que as políticas públicas são ineficientes e
incapazes de ressocializar? Esse discurso não é condizente com aquilo
que deveria ser posição do governo. Eu acredito que haverá esse ambiente
de resistência na comissão especial. Mas acho que isso faz parte do
processo da Casa.
70% dos membros da comissão são publicamente favoráveis à redução. Esse cenário não evidencia um colegiado tendencioso?
Cabe àqueles que são contrários tentar, por meio do argumento, mudar a
posição dos que são favoráveis. O que nós não podemos permitir é que o
debate não aconteça e que a disputa interna, no campo respeitoso, deixe
de existir. Acho que a comissão vai ter um papel acima de tudo de
responsabilidade. Cada parlamentar tem de ter o compromisso de entender
que é uma matéria polêmica e mexe com o cotidiano do povo brasileiro. As
pesquisas de opinião pública mostram que a redução da maioridade penal é
uma das matérias que mais estão em evidência no pleito da sociedade.
Se
reduzir a maioridade penal não resolve o problema da segurança pública,
quais outras políticas devem ser implementadas no país? Nós temos uma legislação no ECA
que, infelizmente, os governos não cumprem. Nós precisamos que o
estatuto seja revisto, com penalidades mais rígidas dentro daquilo que
se entende como socioeducativo. Hoje, dentro da realidade do país, se a
opção é colocar adolescentes que cometeram crimes hediondos em uma
penitenciária ou deixá-los soltos no convívio da sociedade para que
voltem a praticar crimes, que vão eles para a cadeia. Os sistemas de
internação também são universidades do crime. A estatística mostra que a
reincidência nas unidades de ressocialização é muito alta. Eles cumprem
a pena e, em um curto espaço de tempo, voltam à sociedade. Dessa forma,
sentem-se estimulados a voltar para a marginalidade. É a sensação de
que o crime compensa. Mas e se o adolescente cometer um crime hediondo e
pegar uma sentença maior? A rotatividade acaba. E quando sair de lá,
vai pensar duas vezes antes de cometer o mesmo crime.
Esse projeta tramita há mais de duas décadas e nunca avançou. O que leva a crer que a tramitação agora vai ter continuidade?
Nós temos um presidente, Eduardo Cunha, que tem um ritmo de trabalho
frenético. Ele é uma máquina de trabalhar e faz com que as matérias
tramitem na Casa com mais agilidade. Nós temos até 40 sessões na
comissão para deliberar. O presidente já comunicou que cumprido esse
prazo, vai levar a plenário. Essa Casa não pode deixar de legislar e
discutir uma matéria porque ela é polêmica. Nós temos de ter coragem.
O
deputado André Moura (PSC/SE) foi eleito presidente do colegiado que
discutirá a redução da maioridade penal (Brizza Cavalcante/Agência
Câmara/VEJA)
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/reducao-da-maioridade-nao-resolveoproblema-mas-faz-justiça
Nenhum comentário:
Postar um comentário