terça-feira, 21 de maio de 2013

Comissão aponta que tortura no país começou antes da luta armada


Colegiado disse que método era base da repressão, e não apenas 'pontual'. Para Comissão da Verdade, alto comando da ditadura sabia das torturas.
A Comissão Nacional da Verdade, ao divulgar balanço de um ano de trabalho nesta terça-feira (21), afirmou que os levantamentos feitos pelo grupo apontam que a tortura no regime militar brasileiro começou em 1964, ano do início do regime, antes de haver luta armada no país. O grupo chegou à conclusão de que a prática de tortura no regime militar não era "pontual", mas sim era a "base" da repressão durante a ditadura.
"A tortura começa a ser praticada nos quartéis em 1964. A tortura não é realizada de modo pontual. Ela é a base da matriz de repressão da ditadura. Em 1964, é possível identificar centros de detenção e tortura", afirmou a historiadora Heloisa Starling, integrante da comissão."A tortura está na origem da ditadura militar, ela acontece antes da luta armada,"completou.
Heloísa apresentou documentos que demonstram a prática constante da tortura, antes do início da luta armada no país e do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), decreto baixado em dezembro de 1968 que deu poderes extraordinários ao presidente da República e suspendeu uma série de direitos constitucionais garantidos aos cidadãos.
De acordo com a historiadora, o período de maior uso da tortura como instrumento de repressão foi o ano de 1969."Em 1969, antes da unificação do sistema de repressão nacional, a tortura explode. Não me parece determinante o AI-5 para esse quadro. O determinante é a continuidade da tortura. Há um padrão", afirmou.
De acordo com balanço apresentado nesta terça, a comissão, criada em maio de 2012 pela presidente Dilma Rousseff com o objetivo de apurar violações aos direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, ouviu em um ano o depoimento de 268 pessoas, entre vítimas de violência e militares.
Foram ouvidos 37 colaboradores do regime militar e supostos torturadores; 24 militares que sofreram retaliações das Forças Armadas durante a ditadura; e 207 vítimas ou testemunhas.
De acordo com o professor Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador da Comissão da Verdade, em um ano de trabalho o grupo descobriu a existência de 250 "estruturas de informação" instaladas em ministérios, autarquias e outros estabelecimentos públicos.
"É impressionante a capilaridade do serviço de informação em todo o território nacional", afirmou.
O coordenador da Comissão da Verdade afirmou que os trabalhos do grupo demonstram a prática de violência e tortura durante o regime militar. Documento oficial da Marinha mostrado por ele, afirma que era utilizada violência nos próprios militares, a ponto de "incapacitá-los para o trabalho".
Paulo Sérgio Pinheiro frisou que a "espinha dorsal" da comissão é apurar crimes cometidos durante a ditadura militar. "A comissão reconstituirá a veracidade dos crimes, seus autores diretos e mandantes", afirmou.
Linha de comando
A Comissão da Verdade revelou ainda que o presidente da República e ministros militares participavam da linha de comando do DOI-CODI, órgão máximo de repressão do regime militar.
De acordo com Heloísa Starling, documento do Estado Maior demonstra que a cadeia de comando do DOI-CODI alcança o presidente e os ministros da Marinha, Aeronáutica e do Exército. A informação é relevante para demonstrar que o alto comando da ditadura tinha conhecimento das torturas praticadas pelos agentes de repressão.
"Foram registradas 730 denúncias de tortura entre 1970 e 1973. E o comando do DOI-CODI alcança o então presidente da República, Ernesto Geisel, o ministro da Marinha, da Aeronáutica e do Exército", afirmou Heloísa Starling.
Ações penais
A advogada Rosa Cardoso, que também integra a Comissão da Verdade, afirmou que o grupo irá recomendar investigação criminal dos agentes da ditadura. Para ela, crimes contra a humanidade não prescrevem e não são alcançados por anistia.
"Crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. Se temos esse conhecimento, temos que recomendar que esses casos sejam judicializados internamente", afirmou.
Ela destacou, contudo, que a comissão não vai encaminhar projeto ao Congresso para revogar a Lei de Anistia, que impede punição de colaboradores do regime militar e de pessoas que praticaram luta armada durante a ditadura. "Não vamos fazer um projeto de lei, porque enquanto comissão não vamos tomar parte num movimento social."
Omissão de documentos
De acordo com a Comissão da Verdade, a Marinha omitiu, em 1993, informações sobre mortes na ditadura solicitados pelo então presidente da República, Itamar Franco. Heloísa Starling apresentou um documento oficial da Marinha, de 1982, que traz o nome de 11 pessoas mortas durante o regime.
Segundo ela, em 1993, Itamar Franco determinou que o então ministro da Justiça, Maurício Correa, requisitasse da Marinha, Exército e Aeronáutica...
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