A Polícia Federal (PF) confirmou, nesta quinta-feira
(30), que os agentes usaram armas de munição letal durante a
reintegração de posse de uma fazenda ocupada em Sidrolândia, a 70 km de
Campo Grande. O superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Edgar Paulo
Marcon, afirmou ao
G1
que o efetivo foi recebido de forma hostil e reagiu
após sofrer retaliação. "Não há como saber de onde veio o tiro e por
isso um inquérito será instaurado."
“Pelas informações que recebi por telefone, [índios]
estariam armados, atiraram nos policiais, tem policias feridos”,
relatou Marcon. “Houve violenta reação dos indígenas quando eles
[policiais] chegaram”, disse. Pelo menos três policiais foram feridos.
Um deles foi atingido de raspão por um disparo na orelha.
Segundo a PF, os policiais tentaram negociação com
os terena na estrada que dá acesso à fazenda. Como não houve avanço, os
policiais avisaram que cumpririam a reintegração de posse e voltaram com
o efetivo. Ainda conforme Marcon, na entrada da fazenda os policiais
avistaram que a sede estava pegando fogo e foram recebidos de maneira
violenta pelos indígenas e tiveram que reagir. Já lideranças indígenas
disseram ao
G1
que foram surpreendidos pelas equipes da polícia.
O superintendente disse que há marcas nos coletes a
prova de balas de alguns agentes. Essa situação e a morte do indígena
serão apurados no inquérito. Conforme a PF, duas armas artesanais e uma
espingarda, de índios, foram apreendidas. As armas dos policiais serão
periciadas também.
Policiais fizeram imagens para serem usadas no inquérito e um oficial de justiça acompanhou a ação.
Marcon acredita que a reintegração de posse será
cumprida nesta quinta e a terra será devolvida ao proprietário, Ricardo
Bacha. Ainda segundo Marcon, após a reintegração, a manutenção da posse é
de responsabilidade de Bacha.
O governo de
Mato Grosso do Sul
afirmou, por meio de nota divulgada nesta
quinta-feira, que a Polícia Militar “não utiliza arma letal” durante a
reintegração de posse de uma fazenda ocupada em Sidrolândia.
Reintegração de posse
O clima na área é de confronto. PMs da Companhia
Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais (Cigcoe)
usam balas de borracha e bombas de efeito moral para tentar controlar e
retirar do local os índios, que estão armados com lanças e revidam
atirando pedras.
Ao ocuparem a fazenda Buriti, os índios entraram
também em outras três propriedades - Santa Helena, Querência e Cambará -
mas já deixaram estas áreas. O Hospital Elmíria Silvério Barbosa, em
Sidrolândia
, confirmou a morte e a transferência de um dos
feridos para a Santa Casa em Campo Grande. Outros três indígenas
permanecem hospitalizados em Sidrolândia.
O acesso para a propriedade está bloqueado. Foram
encaminhados para o local quatro ônibus e pelo menos cinco viaturas do
Cigcoe, pelo menos dez viaturas da Polícia Federal e duas dos Bombeiros.
Após o confronto, a PM mandou mais equipes para o
local, de acordo com o comandante da corporação, coronel Carlos Alberto
David dos Santos. Segundo ele, a decisão foi tomada após a informação de
que os terenas incendiaram a sede da fazenda e resistiram à
desocupação. A quantidade de agentes não foi divulgada.
Conflito
A fazenda Buriti foi a primeira a ser ocupada, no
dia 15 de maio, e única que ainda continua com indígenas dentro de seus
limites. Os terena também chegaram a entrar em outras três propriedades,
já desocupadas. Um mandado de reintegração de posse para a Buriti foi
expedido pela Justiça no mesmo dia da invasão, mas foi suspenso no
último dia 20 em razão da reunião de conciliação que já estava marcada
para quarta-feira (29).
Segundo a Funai, os indígenas reivindicam aceleração do processo de demarcação e não querem deixar o local.
Sem acordo
Indígenas e produtores reuniram-se em audiência de
conciliação na quarta-feira, mas não houve acordo e a Justiça
determinou, então, que a desocupação fosse imediata.
Ronaldo José da Silva, juiz substituto da 1ª Vara
Federal de Campo Grande, afirmou que a reunião foi "infrutífera",
estipulou multa diária de R$ 10 mil para as pessoas que impedirem o
cumprimento da reintegração de posse e determinou que a Fundação
Nacional do Índio (Funai) comunicasse os índios sobre a decisão.
Briga judicial
A Terra Indígena Buriti foi reconhecida em 2010 pelo
Ministério da Justiça como de posse permanente dos índios da etnia
terena. A área, localizada entre Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia,
foi delimitada em portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU) e
abrange 17.200 hectares.
Após a declaração, o processo segue para a Casa
Civil, para a homologação da presidência da República, o que ainda não
foi feito. Durante nove anos, as comunidades indígenas aguardaram a
expedição da portaria declaratória. O relatório de identificação da área
foi aprovado em 2001 pela presidência da Funai, mas decisões judiciais
suspenderam o curso do procedimento demarcatório.
Em 2004, a Justiça Federal declarou, em primeira
instância, que as terras pertenciam aos produtores rurais. A Funai e o
Ministério Público Federal recorreram e, em 2006, o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (TRF-3) modificou a primeira decisão e declarou a
área como de ocupação tradicional indígena.
No entanto, os produtores rurais entraram com
recurso de embargos de infringentes e conseguiram decisão favorável em
junho de 2012.