Um elefante de quatro anos usa a tromba para “pintar” um quadro: neurônios concentrados no cerebelo - AP
RIO - Os cientistas sempre acreditaram que as habilidades cognitivas dos seres humanos estariam relacionadas à quantidade de neurônios — as células nervosas do cérebro. Com muito mais unidades de processamento de informação, digamos assim, seria fácil explicar a inteligência do homem. Mas não é bem por aí.
Um novo estudo acaba de concluir que os elefantes, com suas cabeçorras, têm o cérebro três vezes maior do que o nosso e, além disso, o triplo do número de neurônios. Entretanto, por mais inteligente que sejam e por melhor que seja sua memória, não tem como comparar suas habilidades cognitivas às do homem. Qual seria a explicação?
- Queríamos testar nossa hipótese de que um número absoluto (baixo) de neurônios é um fator limitante à cognição, caso no qual o cérebro do elefante, três vezes maior do que o nosso, deveria ainda assim ter menos neurônios do que o cérebro humano - explicou a neurocientista Suzana Herculano Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Coordenados por Suzana, um grupo de cientistas revelou, em estudo publicado ontem na “Frontiers of neuroanatomy”, no entanto, que isso não é verdade. O cérebro do elefante está longe de ser como um vasto oceano pouco habitado. Muito pelo contrário.
Mas os especialistas descobriram que 98% as células nervosas dos elefantes se concentram no cerebelo e não no córtex, como ocorre no homem. De acordo com o grupo, enquanto nós temos, em média, 16 bilhões de neurônios na parte frontal do cérebro, os elefantes têm apenas 5,6 bilhões. Ou seja, tamanho e quantidade não importam, mas a localização é tudo.
- Essa descoberta embasa a hipótese de que o número total de neurônios no córtex humano (mas não no cérebro como um todo) está relacionado com as habilidades cognitivas superiores dos homens, comparados a elefantes e outros mamíferos de cérebro grande - explica a neurocientista. - Ou seja, o número de unidades de processamento de informação concentrado nesta área é maior.
Suzana frisa, no entanto, que o homem não tem nada de “especial” em relação aos outros mamíferos.
- O que acontece é que o cérebro dos primatas é estruturado de uma forma diferente da dos demais mamíferos. Regras que valem para primatas, não valem para mamíferos - disse. - Os primatas têm um córtex mais econômico, digamos, com mais neurônios concentrados em menos espaço.
Em estudo anterior, o grupo de Suzana já havia explicado o que diferencia o cérebro humano do de outros primatas. A verdade é que, ao começar a comer alimentos cozidos, o homem passou a ingerir uma quantidade muito maior de calorias, podendo, assim, ter um número maior de neurônios.
Explicando melhor: superamos uma limitação metabólica com uma mudança drástica em nossa dieta para podermos ter um cérebro mais populado e, consequentemente, mais habilidades cognitivas que os demais animais.
O cerebelo e a tromba
O estudo acabou revelando outra curiosidade sobre os elefantes. A grande concentração de neurônios no cerebelo apresentada por eles é algo incomum, mesmo em comparação a outros mamíferos grandes. Segundo explica Suzana, geralmente a proporção é de quatro neurônios no cerebelo para cada um fora dele. Mas no caso dos elefantes é de 50 para um. Isso, claro, despertou a curiosidade dos cientistas: por que tantos neurônios no cerebelo?
- Acreditamos que essa concentração tem a ver com a informação sensorial que o cerebelo do animal recebe - explica Suzana. - Os elefantes se comunicam por infrassons emitidos pela tromba, e isso seria processado no cerebelo. Além disso, esses neurônios seriam responsáveis também pelo funcionamento da tromba, uma estrutura de mais de cem quilos de músculo coberta de terminações sensoriais. Achamos que o cerebelo tem o controle sensorial da tromba.
O grupo de Suzana pretende agora estudar o cérebro das baleias. Se tudo correr como o planejado, os cientistas devem constatar algo parecido: que, apesar do seu gigantesco córtex frontal, a concentração de neurônios é diferenciada. Ou então, eles podem constatar (sempre uma possibilidade) que os cetáceos têm habilidades superiores às dos homens.
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