terça-feira, 3 de junho de 2014

Criação da Petrobras rachou o Senado em 1953

O presidente Getúlio Vargas, posando com a mão suja de petróleo durante o seu último mandato (1951-54)
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Neste momento, a Petrobras é alvo de duas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) no Congresso Nacional, que investigam a aquisição de uma refinaria nos EUA e outros assuntos. Esta, porém, não é a primeira vez que a estatal petrolífera inflama os ânimos dos parlamentares.
Em 1953, o Senado já havia vivido dias incendiários por causa da empresa. Foi o ano em que os senadores estudaram e votaram o projeto de lei que criaria a Petrobrás, redigido pelo presidente Getúlio Vargas no final de 1951.
O Senado rachou entre dois grupos antagonistas: os “ultranacionalistas” contra os “entreguistas” — alcunhas dadas, naturalmente, pelos adversários. Um lado abrigou os senadores que defendiam o petróleo e toda a cadeia industrial como monopólio estatal. Do outro lado, ficaram os que advogavam a participação da iniciativa privada, incluindo empresas estrangeiras, na exploração do óleo. Kerginaldo Cavalcanti (PSP-RN) integrou o primeiro grupo. Num discurso, ele descreveu as multinacionais do petróleo como perigosas:
— O Brasil precisa ficar abroquelado [protegido] contra os assaltos sorrateiros do capitalismo internacional, da Standard Oil e de outros trustes exploradores, contra a possibilidade de perdermos os frutos daquilo que Deus colocou no seu subsolo para cintilar mais brilhantemente sob as estrelas do Cruzeiro do Sul.
No fronte oposto, o senador ­Ezechias da Rocha (PR-AL) reagiu:
— A tese estatal-monopolística levanta muralhas chinesas ao progresso do país e fecha a sete chaves as portas do subsolo à iniciativa particular, quando urge abri-las ao capital privado não só nacional, também estrangeiro. Capital esse que poderia constituir ajuda das mais importantes na grande batalha do petróleo e na campanha da recuperação econômico-financeira do país.
Datilografados ou manuscritos, os discursos, as emendas ao projeto e os pareceres das comissões repousam no Arquivo do Senado, em Brasília. São centenas de papéis escritos 61 anos atrás — a capital era o Rio — que documentam a batalha do petróleo. Até então, o Brasil não tinha uma política para o petróleo. Ela precisava ser decidida com urgência porque o país dependia das importações, danosas à balança comercial, para atender à crescente demanda por derivados do petróleo — combustível de carro e avião e insumo de indústrias como a química e a da construção civil. Na mensagem que anexou ao projeto, Vargas escreveu que o petróleo produzido no país só atendia a 2,5% da necessidade nacional.
O projeto não previa o monopólio. Criava a Petrobrás e admitia que a estatal se associasse a empresas privadas. Explica o consultor legislativo do Senado Luiz Alberto Bustamante, especialista em mineração e energia:
— Vargas não propôs o monopólio estatal porque sabia que o governo, sozinho, não conseguiria produzir o petróleo necessário. O Estado não tinha conhecimento técnico nem recursos financeiros para isso. Na primeira passagem pela Câmara, os deputados modificaram a proposta e incluíram o monopólio estatal. Foi esse o texto sobre o qual os senadores se debruçaram em 1953.
O senador Assis Chateaubriand (PSD-PB), defensor da parceria com as multinacionais, chamou de “jacobinos” os partidários da nacionalização:
— Se é preciso converter o Brasil num produtor e exportador do óleo em bruto e produtos acabados, o caminho mais rápido e produtivo é o da iniciativa privada. Os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido e a Venezuela dão à palavra nacionalismo o sentido de construção da grandeza nacional, em vez do jacobinismo, cuja tradução se cristaliza no ódio e no medo da cooperação com as nações mais adiantadas. Enquanto o venezuelano enriquece extraindo e industrializando o petróleo, nós nos empobrecemos discutindo, como bizantinos, quem deverá perfurar poços e construir refinarias.
Landulpho Alves (BA) — que depois viraria nome de refinaria de petróleo na Bahia — repeliu o argumento:
— As empresas estrangeiras, representantes do monopólio internacional do petróleo, não devem contribuir, seja com pouco dinheiro, seja com muito, porque são perigosas para o interesse nacional.
No Senado, o lado antimonopólio venceu. Os senadores aprovaram um texto favorável à iniciativa privada. No entanto, o projeto voltou para a Câmara e as emendas do Senado foram sumariamente eliminadas. A palavra final foi dada pelos deputados. Em 3 de outubro de 1953, Vargas acabou sancionando a criação da Petrobras como detentora do monopólio, bem diferente do plano original.
O pesquisador Celso Carvalho Junior, especialista na história do petróleo brasileiro, diz que os “trustes” eram assustadores naquele momento:
— Os métodos de John Rockfeller, fundador da Standard Oil, para eliminar a concorrência eram bastante criticados. As empresas do petróleo eram acusadas de não respeitar a soberania dos países em que atuavam, de corromper governantes para obter privilégios. Foi em meados do século passado que o petróleo foi nacionalizado no México [1938] e no Irã [1951].
Postos de gasolina
Uma das emendas apresentadas no Senado ao projeto da Petrobras previa que todos os postos de gasolina do Brasil seriam do governo. A corrente majoritária no Senado, porém, era contrária ao monopólio estatal. Assim, a sugestão foi derrubada. O senador Alencastro Guimarães (DF), relator do projeto, argumentou pelo voto contrário:
— Da forma como está redigida, nós vamos transformar cada posto de gasolina em repartição pública.
Othon Mader (PR) — tio-avô da atriz Malu Mader — foi um senador atuante na defesa do capital privado. Para ele, a burocracia estatal emperraria a exploração do “ouro negro”:
— A ação governamental esbarra com empecilhos que retardam por dias, meses e anos a exploração. Não há de ser com empreendimento estatal que exploraremos tão cedo o petróleo.
Senado
Publicado por Senado

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