quarta-feira, 13 de agosto de 2014

VALE APENA RELEMBRAR: MARCOS FREIRE MORRE EM ACIDENTE DE AVIÃO QUE EXPLODIU NO AR "COINCIDÊNCIAS COM O ACIDENTE DE EDUARDO CAMPOS""

MAIS DE 20 anos sem Marcos Freire

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por Inaldo Sampaio, Título atualizado por Ernildo Arruda

Ontem, dia 8 de setembro, fez exatamente 20 anos que o então ministro da Reforma e Desenvolvimento Agrário, Marcos Freire, faleceu num desastre de avião ocorrido no Pará. Ele tinha viajado àquele Estado para tratar de assuntos do seu ministério e poucos minutos após a decolagem o jatinho que o conduzia explodiu no ar.
Morreram no mesmo acidente o secretário-geral do ministério Dirceu Pessoa, o presidente do Incra José Eduardo Vieira Raduan, o secretário particular José Coelho Teixeira Cavalcanti, os assessores Amaury Teixeira Cavalcanti e Ivan Ribeiro, o tenente-coronel aviador Wellington Rezende, o capitão aviador Jorge Shimonura e o 3º sargento Carlos Alberto da Silva. O jornalista pernambucano Geraldo Sobreira, então assessor de imprensa do ministro, iria embarcar no mesmo vôo, mas, à última hora, cedeu a vaga a outra pessoa.
Marcos Freire, natural do Recife, tinha completado 56 anos três dias antes (nasceu no dia 5/9/31). Ele era um dos principais líderes do PMDB pernambucano ao lado de Miguel Arraes (então governador do Estado) e Jarbas Vasconcelos (então prefeito do Recife).
Sua vida pública foi iniciada ainda na década de 50 como oficial de gabinete do então prefeito Pelópidas Silveira. Formado em Direito pela UFPE (turma de 1955), ele foi procurador da Prefeitura do Recife, secretário de Assuntos Jurídicos (nomeado pelo então prefeito Liberato Costa Júnior) e professor de Direito Constitucional da mesma faculdade em que se formou antes de disputar sua primeira eleição: a Prefeitura de Olinda em 1968.
Freire disputou o pleito em Olinda pelo MDB, único partido de oposição, à época, derrotando os dois candidatos do então partido do governo: Nivaldo Machado (Arena 1) e Barreto Guimarães (Arena 2). Para ganhar a eleição, ele teria que somar mais votos que as duas sublegendas da Arena, juntas, e conseguiu: obteve 17.069 votos, contra 6.512 de Nivaldo Machado e 5.941 de Barreto Guimarães.
Sua vitória foi largamente comemorada pelos principais líderes de oposição ao regime militar então vigente, porém a alegria durou pouco. Em sinal de protesto contra a edição do Ato Institucional nº 5, dois dias após a sua diplomação (13/12/68), e a cassação do seu vice-prefeito, Renê Barbosa, ele renunciou ao mandato.
Dois anos depois, recebeu convite do então presidente nacional do MDB, senador Oscar Passos (AC), para se candidatar a deputado federal e se elegeu. Foi o mais votado da bancada da oposição, que incluía, além dele, Fernando Lyra (atual presidente da Fundação Joaquim Nabuco), Thales Ramalho e Sérgio Murilo.
Em Brasília, Marcos Freire vinculou-se ao chamado “grupo autêntico” do MDB, que era a corrente do partido que fazia uma oposição mais acentuada ao regime militar. Orador brilhante, ele logo chamou a atenção da imprensa nacional pela contundência dos seus discursos não apenas sobre assuntos institucionais mas também em defesa dos segmentos da sociedade que não podiam se expressar livremente naquela ocasião, particularmente artistas, dramaturgos, escritores e jornalistas.
Defendeu ardorosamente a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, a anistia para os cassados e banidos pelo regime militar, a eleição direta em todos os níveis, a realização da reforma agrária e o fim da censura aos órgãos de imprensa. Escolhido sucessivas vezes pelo comitê de imprensa da Câmara como um dos melhores deputados do Congresso Nacional, rapidamente seu nome despontou no MDB como candidato natural ao Senado, em 1974, quando estaria em jogo a cadeira ocupada pelo então senador João Cleofas de Oliveira, integrante do partido do governo.
Coube ao seu colega de bancada, Fernando Lyra, bancar a indicação do seu nome para concorrer à vaga do Senado, enfrentando a má vontade de muitos emedebistas que, céticos em relação à vitória, defendiam que Freire fosse candidato à reeleição para não pôr em risco uma cadeira certa que ele tinha na Câmara Federal.
Freire foi eleito senador com 605.953 votos, contra 478.369 votos de João Cleofas de Oliveira, o candidato apoiado pelo governador (eleito indiretamente) Moura Cavalcanti e os ex-governadores Etelvino Lins, Cordeiro de Farias, Cid Sampaio, Paulo Guerra e Nilo Coelho.
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Disputa interna com Arraes em 82
A atuação de Marcos Freire no Senado foi tão destacada quanto à da Câmara Federal. Ao lado dos outros 15 senadores igualmente eleitos pela oposição em 1974 – entre os quais Mauro Benevides (CE), Ruy Carneiro (PB), Saturnino Braga (RJ), Itamar Franco (MG), Orestes Quércia (SP) e Paulo Brossard (RS) –, Marcos Freire fez dura oposição ao regime militar, credenciando-se para ser o candidato do partido ao governo de Pernambuco na primeira eleição direta pós 64 para a escolha dos governadores.
Todavia, até tornar-se candidato oficial ele teve que enfrentar uma disputa interna no partido contra Miguel Arraes de Alencar, que voltara do exílio três anos antes (1979) e se julgava com a legitimidade necessária para disputar o governo estadual. Arraes perdeu a disputa interna para Freire porque o então presidente regional do partido, Jarbas Vasconcelos, que havia perdido a disputa para senador em 1978 mesmo tendo sido o mais votado (perdeu para a sublegenda) e era candidato a deputado federal em 82, desequilibrou o jogo em favor do senador.
Marcos foi o candidato favorito até o governo militar tomar uma medida que não estava nos planos da oposição: tornar obrigatória a vinculação do voto desde vereador até governador, ou seja, o voto só seria válido se o eleitor votasse nos candidatos de um mesmo partido para vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e governador.
Como o PMDB (sucedâneo do MDB) era frágil no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o governo militar tomou outra decisão visando a beneficiar os seus candidatos: prorrogou os mandatos dos prefeitos por dois anos para que a eleição municipal coincidisse com a estadual. Como o PDS (sucedêneo da Arena) estava melhor estruturado em Pernambuco que o PMDB e tinha mais de um candidato a prefeito em 80% dos municípios do interior, o seu candidato a governador, Roberto Magalhães, mesmo tendo partido em desvantagem, acabou sendo eleito para o governo, junto com Marco Maciel para o Senado. Obteve 909.962 votos, contra 814.447 de Marcos Freire. O opositor de Maciel foi Cid Sampaio, que deixara o partido do governo para se aliar à oposição.
Após a derrota, Freire recebeu um prêmio de consolação: a presidência do diretório estadual do PMDB. Em 1984, participou ativamente da campanha das diretas, tornando-se presidente da Caixa Econômica após a vitória de Tancredo/Sarney para a Presidência da República. Nesse mesmo ano (1985), ele se negou a apoiar Jarbas Vasconcelos para prefeito do Recife, optando por uma aliança branca com o PDS para apoiar o deputado federal Sérgio Murilo (PMDB), que perdeu a eleição. Jarbas disputou, e venceu, pelo PSB.
Pouco tempo depois, Freire deixou a presidência da CEF para assumir o Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário, cargo no qual permaneceu até a data da sua morte.
Foto: Fernando Gusmão/DP
Derrota para Magalhães e o voto vinculado
Marcos Freire se candidatou pelo PMDB ao governo estadual em 1982, mas foi derrotado por Roberto Magalhães, candidato do PDS, por 97 mil votos de diferença. Freire obteve 62,7% dos votos da capital, 60,8% da área metropolitana e 49,6% da Zona da Mata, mas foi fragorosamente derrotado no Agreste e no Sertão, onde só conseguiu obter 23,3% e 16% dos votos, respectivamente.
Ele entrou na campanha como candidato favorito, mas não agüentou o poder de fogo da azeitada máquina governista, que estava espalhada pelo Estado inteiro através das sublegendas PDS-1, PDS-2 e até PDS-3. Seu vice foi o deputado federal Fernando Coelho, ex-presidente da OAB-PE, e seu candidato ao Senado o ex-goevrnador Cid Sampaio.
Cid, eleito governador em 1958 contra Jarbas Maranhão, fora candidato a senador pela Arena em 1978, contra o peemedebista Jarbas Vasconcelos. Obteve 330 mil votos, que, somados aos 360 mil de Nilo Coelho, garantiu a cadeira do Senado para este último, apesar de Jarbas Vasconcelos ter sido, individualmente, o candidato mais votado (654 mil votos).
O fato de Cid ter sido um adversário histórico do PMDB e participado diretamente da conspiração político-militar pela queda de Miguel Arraes em 1964 levou muita gente da oposição a fazer “corpo mole” na campanha. Entretanto, houve uma terceira causa que também contribui muito para a derrota eleitoral do senador: o “baixo nível” da contrapropaganda produzida por seus adversários, envolvendo a pessoa de sua mulher, Carolina Freire.
Essa contrapropaganda – atribuída por alguns ao então Serviço Nacional de Informações (SNI) – chegou a alcançar um nível tão degradante que o próprio candidato do PDS, Roberto Magalhães, ameaçou renunciar à candidatura caso não se desse um basta às ofensas feitas à honra do seu principal adversário, que, como ele, também era professor da Faculdade de Direito do Recife.
Para tentar superar essas dificuldades, Marcos Freire aliou-se a Cid Sampaio e fez dele o candidato único ao Senado na chapa por ele encabeçada. Ambos, que não conheciam direito a geografia eleitoral do Estado, sonhavam contar com o apoio político das mesmas lideranças que haviam apoiado Freire para o Senado, em 74, esquecendo que essas lideranças estavam “amarradas” à candidatura de Roberto Magalhães por força do voto vinculado.
Resultado: Marcos Freire ganhou no Recife por 142 mil votos, na área metropolitana por 113 mil e na Zona da Mata por 27 mil. Mas perdeu no Agreste por 180 mil e no Sertão por 198 mil.
Nessa mesma eleição, Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos travaram intensa luta nos bastidores para ver qual dos dois obteria mais votos na eleição para a Câmara Federal, tendo o primeiro levado a melhor: 191.471 contra 172.004. Para o Senado, Marco Maciel obteve 926.771 mil votos (13 mil a mais que o candidato a governador), contra 788.191 de Cid Sampaio.
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“Soltaram a onça no chiqueiro dos bodes”
A campanha de Marcos Freire ao Senado, em 74, foi a mais vibrante que ocorreu em Pernambuco durante o regime militar. Com sua oratória fácil, o seu carisma e o seu poder de convencimento, ele empolgou os eleitores do Sertão ao litoral com o slogan “Sem ódio e sem medo”, criado pelo jornalista e publicitário (falecido em 2005) Eurico Andrade.
Além de jovem, carismático e simpático, ele teve como adversário um político de 76 anos, João Cleofas de Oliveira, que além de residir no Rio já tinha perdido três eleições para o governo de Pernambuco: em 50 para Agamenon, 54 para Cordeiro de Farias e 62 para Arraes. Por isso, era chamado pelos opositores de “João três quedas”.
Cleofas era um dos principais símbolos da UDN pernambucana, motivo pelo qual adversários do PSD recusaram-se a votar nele. Um desses foi o deputado Argemiro Pereira, de Serra Talhada. Argemiro (hoje com 90 anos) tinha origem política no PSD e era adversário de Inocêncio Oliveira, que descendia da UDN. Ele chegou a dizer na época que “quero que minha mão murche se eu pedir votos para Cleofas”. Foi a primeira grande dissidência no partido do governo (Arena), que foi descrita dessa forma pelo jornalista Sebastião Nery no livro “As 16 derrotas que abalaram o Brasil”:
“Notícias e fotos desciam do Nordeste como sonho de noite de verão: Marcos Freire fazendo um comício monumental em Petrolina, cidade de Nilo Coelho. Marcos Freire carregado pelo povo em Caruaru. Marcos Freire conquistando da classe A aos mocambos. Parecia incrível, mas era a vitória que começava a pintar. E as prévias do próprio governo comprovando. E líderes da Arena pedindo em público a substituição de João Cleofas por outro candidato para evitar a derrota. A Arena entrou em pesadelo. João Cleofas, de 76 anos, perdeu a esportiva: ‘Marcos Freire é um agente da contestação e do revanchismo’. Passou a aceitar o ritmo alucinante da campanha do adversário, fazendo o possível para acompanhá-lo: dormindo cinco horas por noite, levantando-se às 6h30 da manhã (…). O argumento de Nilo Coelho em 66, usado para um chefe político de Serra Talhada, voltou:
– Ou o Sr. vota no doutor Cleofas, ou não toma cafezinho no Palácio nos próximos quatro anos.
O deputado Argemiro Pereira, que controla 20 mil votos no Pajeú, ficou em casa:
– Minha mão murcha se eu pedir votos para o doutor Cleofas.
Lívio Valença, deputado estadual do MDB (São Bento do Uma), resumiu tudo na irrespondível sabedoria de quintal: do JC Título Araripe Informado
– Soltaram a onça no chiqueiro dos bodes.
Resultado: 127.584 votos de frente”.
Postado atualmente por Jornal Online Araripe Informado

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