Joaquim Barbosa toma posse nesta quinta-feira como presidente do Supremo Tribunal Federal. Aos 58 anos, o ministro relator do processo do mensalão é o primeiro negro a presidir a mais alta corte do Brasil.
A posse de Joaquim Barbosa na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) é marcada pelo simbolismo da chegada de um negro a um alto cargo na estrutura de poder, mas movimentos sociais ligados à questão racial no Brasil se dividem sobre o papel que o ministro deve assumir. Um grupo defende que é o momento de enfatizar a discussão sobre o racismo e a desigualdade na sociedade brasileira. Para outros, não cabe ao ministro levantar bandeiras.
O novo presidente do Supremo em sua vida acadêmica sempre explorou a desigualdade social e o racismo como tema de teses e palestras. Mas no exercício profissional, seja no Ministério Público Federal ou no próprio STF, nunca se levantou como porta-voz da discussão.
- Esperamos que Barbosa tenha uma visão especial sobre a desigualdade e o racismo no Brasil. Ele pode ter o papel de trazer à tona a discussão sobre o racismo para dentro da Justiça brasileira. É uma oportunidade de um negro assumir esse discurso na mais alta Corte do país. Senão, sua passagem pela presidência do Supremo se tornará apenas figurativa - defende Rubens Souza, consultor do Instituto Raízes.
- Barbosa, no rito da presidência, não pode suscitar uma discussão ou levantar a bandeira (do racismo). Ali, ele é o chefe de um dos Poderes do Estado e sua gestão tem que ser marcada como uma gestão para todos. Não só para os negros - contrapõe Jerônimo Silva Junior, secretário-geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro).
O presidente da Educafro, Frei Davi Santos, afirma que, mais que ser um representante negro no Supremo, Joaquim Barbosa reafirma as questões raciais e combate o racismo no país:
-Você vê Joaquim Barbosa falando com determinação, com muita ousadia, que o poder do Brasil é branco, é conservador e oprime o negro.
O jurista Ives Gandra acha que a origem humilde do novo presidente do STF deve ser levada mais em conta.
- O mérito de Barbosa não é ter chegado lá apesar de ser negro. É por ele falar cinco línguas, ser uma pessoa profundamente culta, etc., apesar de sua origem social - diz Gandra.
Já Carlos Melo, cientista político do Insper, e o jurista Celso Campilongo, da USP e da PUC-SP, acreditam que o fato de Barbosa ser negro é razão primordial para sua ascensão até a alta Corte.
Melo acha que o simbolismo pode auxiliar o debate sobre a questão do acesso dos negros à educação de qualidade e, mais ainda, sobre a necessidade de se “resgatar a importância dos negros na formação cultural e econômica do Brasil”.
- Nomes importantes da nossa cultura eram negros ou mestiços: Machado de Assis, Aleijadinho. Por que só falamos de negros importantes na música e no futebol? Acho que o país precisa acertar as contas com suas realidades negra e mestiça - avalia Melo.
Para Campilongo, a nova função de Barbosa e o julgamento do mensalão contribuem para combater a sensação de que o Direito brasileiro é elitista.
- O STF, ao mesmo tempo, julgou pessoas poderosas, que muita gente não acreditava que seriam julgadas, e um negro chega à chefia da Casa. É um exemplo notável, o início de um processo de dissolução da ideia tradicional de que o Direito no Brasil é discriminatório - diz Campilongo.
No Planalto, a chegada de Barbosa à presidência do STF é vista como “mais um recado” de que a inclusão social e racial se faz necessária.
- Essa posse será cercada de uma importância histórica e de um simbolismo que ultrapassa a própria população negra no Brasil - disse a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros.
Amigo do ministro, o cantor e compositor Martinho da Vila afirma que Barbosa se tornará referência para as crianças.
- É um momento importante porque os negros precisam dessa referência. As crianças negras, discriminadas, marginalizadas, precisam dessa referência. Só de estar no Supremo, o Joaquim já representava muito uma luta contra o racismo. Agora, na presidência, essa referência é maior ainda.
Paulão Santos, presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro, cita a luta de Zumbi:
- Joaquim Barbosa representa o sonho de Zumbi dos Palmares. Um sonho de igualdade plantado pelos nossos antepassados.
Extraído: O GLOBO
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