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Mais
uma candidata ao cargo de professora na rede pública do estado de São
Paulo foi vítima de discriminação por parte do poder público. Agora foi a
vez de Mariana Cristina Justulin encontrar óbice para a assunção do
cargo público, pois o Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) a
considerou obesa, e portanto inapta para a função (Leia em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/07/barrada-por-obesidade-professora-aprovada-em-concurso-...
Infelizmente, não é a primeira vez que o 'poder público do estado de São Paulo adota tal conduta.
No
dia 01/09/2013 a imprensa noticiou o caso de Melissa Tsuwa Watanabe, de
39 anos, candidata ao cargo de Agente de Organização Escolar, que foi
considerada inapta pela comissão do respectivo concurso público para o
exercício da função pelo fato de, segundo o mesmo Departamento de
Perícias Médicas de São Paulo, ser portadora de obesidade mórbida (Leia
em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2013/09/mulher-tem-validacao-de-concurso-negada-apos-se...
Antes,
em 02/02/2011, causou perplexidade o caso envolvendo a eliminação de
candidatos a professores da rede pública do Estado de São Paulo,
ocorrida durante a realização dos exames de saúde, e motivada pela
obesidade que os acomete. Em síntese, referidos candidatos denunciaram
que, no momento da avaliação de saúde, foram vetados pelo setor de
perícias médicas responsável pelos exames, ao argumento de que a
obesidade é oficialmente uma doença, e por isso os portadores desse mal
não estariam aptos a integrar o funcionalismo público, em que pese terem
demonstrado estar clinicamente saudáveis, através dos resultados de
outros exames.
A questão acende, então, fértil discussão acerca
da constitucionalidade da eliminação de candidatos a esse tipo de
função, por motivo de obesidade.
Analisando as implicações
jurídicas envolvendo o tema, é possível extrair alguns fundamentos
jurídicos que permitem concluir que esse ato por parte do Poder Público
encontra-se totalmente divorciado das diretrizes traçadas pelo Estado
Democrático de Direito.
Investigando as bases constitucionais pertinentes ao tema, dispõe o art. 37, incisos I e II, da Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Da leitura do dispositivo e seus incisos, verifica-se que a Constituição Federal
conferiu à lei a tarefa de regular o acesso aos cargos e empregos
públicos. Como parâmetro a ser utilizado para afiançar os argumentos
aqui expendidos, a Lei nº. 8112/90 disciplinar o Regime Jurídico dos Servidores Publicos Civis da União,
das autarquias e das fundações públicas federais, sendo que os
requisitos básicos para a investidura em cargo público estão dispostos
no art. 5º, e incisos, do diploma legal supra citado, a saber:
Art. 5o São requisitos básicos para investidura em cargo público:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o gozo dos direitos políticos;
III - a quitação com as obrigações militares e eleitorais;
IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;
V - a idade mínima de dezoito anos;
VI - aptidão física e mental.
Das
exigências legais acima, extrai-se que o legislador ordinário,
cumprindo o comando constitucional, estabeleceu critérios objetivos para
o ingresso no funcionalismo público, sendo que, em relação à aptidão
física e mental (inciso VI), em homenagem aos princípios que regem nosso
ordenamento constitucional, tal requisito deve ser avaliado de acordo
com cada caso específico, isto é, observando-se a natureza da função a
ser exercida pelo candidato eventualmente aprovado, de modo que não haja
distorções na aplicação desse critério e, consequentemente injustiças
para os candidatos.
Um dos traços de maior destaque nos concursos
públicos é a garantia de igualdade entre os participantes do certame,
sendo que somente a lei pode estabelecer restrições de acesso a
determinados cargos, e, mesmo assim, só nos casos em que determinadas
características inerentes ao candidato forem incompatíveis com a
natureza da função a ser desempenhada. Tal decorre do princípio da isonomia, o qual está explícito no art. 5º, "caput" e implícito no art. 3º, IV, ambos da Constituição Federal,
e que proíbe, consoante esse último preceptivo quaisquer formas de
discriminação (grifei), expressão essa que adverte-nos que o rol de
elementos discriminatórios rechaçados pela Constituição Federal
não é exaustivo, mas meramente exemplificativo.
Nesse passo, cabe registrar a irretocável lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de que "os
concursos públicos devem dispensar tratamento impessoal e igualitário
aos interessados. Sem isto ficariam fraudadas suas finalidades. Logo,
são inválidas disposições capazes de desvirtuar a objetividade ou o
controle destes certames" (Curso de Direito Administrativo, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 194).
Sendo
assim, encontramos um dos fundamentos jurídicos a coibir tal prática
por parte do Poder Público, na medida em que, no caso dos professores
tolhidos do certame, a alegação de que são obesos não pode servir de
óbice para a aprovação no concurso, na medida em que a atividade a ser
por eles desempenhada é, preponderantemente, intelectual. Portanto, a
atitude do Poder Público, data maxima venia, extrapola a órbita do interesse público e foge aos critérios objetivos de avaliação do candidato.
A
obesidade, em suas diversas causas, consoante a Classificação
Internacional de Doenças (CID), de fato é considerada uma doença.
Entretanto, se esse mal for considerado um óbice à ocupação do cargo de
Agente de Organização Escolar, também deverão ser inadmitidos no serviço
público tantos quantos forem os portadores de outras doenças, tais como
os portadores de doenças visuais (miopia, astigmatismo, hipermetropia
etc.), os diabéticos, enfim, os portadores de diversos outros males que
também são internacionalmente classificados como doenças. Nesse sentido,
inclusive, deverão ser inadmitidos no serviço público os portadores de
necessidades especiais, que hoje, aliás, são cotistas em concursos
públicos, por expressa determinação constitucional constante do art. 37, VIII da CF/88.
Ora, seria absurdo!
Nesse
caso, a obesidade nada guarda relação com o desempenho das funções para
as quais a candidata prejudicada se inscreveu. Seria diferente se, por
exemplo, estivesse participando de uma seleção para policial militar,
oficial das forças armadas, bombeiro, enfim, profissões em que o primor
físico é indispensável para o desempenho das respectivas atribuições.
Aliás, sobre esse tema é interessante abrir um breve parêntese, pois nem
mesmo essas corporações estão livres da obesidade, uma vez que é comum
vermos pelas ruas policiais muito gordos, sem qualquer condição de
empreender eventual perseguição a quem esteja em fuga.
Continuando
nessa trilha, basta ligarmos nossos televisores nos noticiários para
vermos nosso Congresso Nacional e Assembleias Legislativas abarrotados
de parlamentares obesos; basta darmos uma volta pelos fóruns e tribunais
brasileiros para encontrar juízes, promotores, procuradores públicos e
serventuários obesos; prefeitos, governadores... O funcionalismo público
brasileiro, de um modo geral, é gordo! Ou algum leitor ousa dizer que a
maioria de nossas lideranças políticas e demais integrantes do
funcionalismo público é "saradinha"?
É óbvio que não!
Dessa forma, caso a eliminação dessa candidata seja mantida, em homenagem ao já citado princípio da isonomia,
os candidatos à magistratura, MP, AGU, agências reguladoras, bancos,
estatais etc. Deverão se cuidar a partir de agora, pois, como diz a
máxima jurídica, "onde existe a mesma razão, existe o mesmo direito".
Nossos
políticos também deverão abrir os olhos, já que as instâncias da
Justiça Eleitoral deverão também indeferir a candidatura dos
rechonchudos, e será dever do eleitor não votar naqueles que certamente
conseguirão burlar até mesmo as balanças. Quiçá será lançado algum
programa chamado "Ficha Lipo".
Cabe lembrar que a obesidade
possui origens das mais variadas, que vão desde maus hábitos
alimentares, sedentarismo, enfim, o desleixo com a própria saúde, até
aquelas de origem genética, tendentes, conforme o caso, a jamais
desaparecer. É preciso lembrar que existem pessoas obesas que podem
jamais conseguir emagrecer ou, no máximo, não emagrecerão o suficiente
para alcançar o patamar considerado ideal pelas autoridades em saúde.
Todavia, do ponto de vista intelectual, pessoas obesas são plenamente
capazes de exercer funções de professor e correlatas. Não é necessário
ser magro para pensar!
Inteligência, raciocínio, criatividade,
assiduidade, pontualidade, comprometimento. Estes são, principalmente,
os atributos desejados de um funcionário público.
Ponderação e justiça: estes são, necessariamente, deveres constitucionais do Estado.
Nota do autor: o presente texto é uma reedição adaptada do artigo intitulado Candidatos obesos, concursos públicos e o peso da justiça,
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