O futuro não é mais como era antigamente, já cantava Renato Russo. A
humilhante goleada por 7 a 1 imposta pela Alemanha ao Brasil na
histórica semifinal da Copa do Mundo é, acima de tudo, um recado muito
claro ao futebol brasileiro. Resta saber se o país irá entender.
Vinte e quatro horas depois da acachapante eliminação, já se viu de
tudo. Desde uma coletiva patética da comissão técnica do Brasil, numa
tentativa barata de explicar o inexplicável, até a chegada da Argentina à
decisão do Mundial. Os eternos rivais poderão ser campeões aqui, mas
nem de longe isso será o pior. O que pode vir pela frente sim, será
ainda mais humilhante que levar sete em casa.
O futebol brasileiro está perdido. O jogo, que dura 90 minutos e está
sujeito à intempéries como as de ontem, foi apenas mais um sinal. A
Alemanha destroçou os sonhos do Brasil, mas deixou acima de tudo um
grande exemplo de como sair desta armadilha que as cabeças pensantes (?)
do futebol brasileiro enfiaram o futebol nacional. A partir do legado
esportivo da Copa.
O Brasil ganhou 12 novos estádios para a Copa, sem contar as casas
novas de Grêmio e Palmeiras. Algo parecido com o que os alemães viveram
em 2006, quando reformaram seus estádios para cairem numa semifinal
contra a Itália. Não foi por 7 a 1, mas ajudou a mudar a cara do futebol
alemão. A começar pela base da equipe. Os alemães reconheceram os
erros, não qualificando como “pane”, “tsunami” ou “atípica” a derrota.
Valorizaram os jovens talentos, limparam o que havia de ruim. Refizeram
sua ideia de futebol. Foram semifinalistas em 2010 e finalistas
novamente agora. Ganhar é questão de tempo. Há um trabalho real. Por
aqui é dificil afirmar o mesmo. É verdade que essa geração ficará
marcada, mas também é verdade que bons valores como David Luiz, Oscar e
Neymar devem seguir na Seleção.
O contrário será zerar novamente, como foi feito com Dunga. Não
duvido. Como foram cruéis com Dunga, um técnico que valorizou o time
nacional e equiparou condições de trabalho. Foi traído até por quem
beneficiou. Do zero, o Brasil ainda chegou à uma semifinal. Passou uma
vergonha histórica, que mostrou o que é vergonha de verdade, nada como o
pobre time de 1950, que foi o primeiro a chegar a uma final, ou o de
1990, que perdeu um jogo igual para a Argentina. Mas, confesso, isso
também não é o pior.
O pior é ver que o sucateamento do futebol nacional está na cara de
todos e nada acontece. Os clubes estão quebrando. Eles, que formam os
jogadores, vivem em um calendário insano, prejudicial, com diferenças
gritantes entre cotas de televisão para um mesmo campeonato, o que
acabará por liquidar de vez o modelo. De onde sairão novos jogadores, se
o interior está falindo e os médios não tem força de competir com dois
ou três privilegiados financeiramente? Essa foi a Seleção menos
Brasileira de todos os tempos, com apenas quatro jogadores atuando no
futebol nacional. E isso porque até mesmo clubes como Shakhtar Donetsk
ou Zenit conseguem levar os talentos daqui cada vez mais cedo. E quem
pode condenar um Vitória, Coritiba ou mesmo o Grêmio em vender seus
jogadores ainda mal formados quando se compete contra um milionário
Corinthians?
Por falar no Timão, a nova casa corintiana recebeu a semifinal entre
Holanda e Argentina e se despediu da Copa. Volta já na próxima quarta,
com Inter x Corinthians, bom jogo. Mas como irá sobreviver ao longo dos
anos quando acolher um Mirassol x Corinthians numa quarta a noite, 22h,
pela segunda rodada do Paulistão? Quem pagará a conta da abertura desta
Arena, ou na Baixada para um Iraty x Atlético, no Beira-Rio para um
Inter x São Luiz nas mesmas circunstâncias? A CBF é que não.
A Conferação, que vira as costas aos seus clubes, não irá ajudar nem a
manter estádios públicos, muito mais problemáticos, como a Arena
Amazônia. A cúpula do futebol nacional não perdeu tempo e marcou
amistosos contra Colômbia e Equador nos EUA e contra a Argentina em
Pequim. Os direitos dos jogos pertencem a um grupo internacional, que
preferiu movimentar outras praças que não Brasília, Cuiabá ou Manaus, as
mais problemáticas da Copa. Mas não me furto em pensar que algum jogo
do Brasileirão seja deslocado para alguma destas cidades, na tentativa
de tapar o buraco.
Um técnico estrangeiro na Seleção é o debate do momento. Convenhamos,
ninguém duvidava da capacidade de Felipão com essa seleção. Ele segue,
assim como Parreira, um campeão do Mundo. O que fez de bom, não se
apaga. O que fizeram de ruim, em 2006 e agora, também não – e olha que
foram desvios de conduta muito parecidos (valeu, Dunga). No entanto,
enquanto se discute o lado tático do Brasil, a falta de inovação e a
morte do jogo bonito, enquanto se pensa em trazer um Guardiola ou um
José Mourinho para mudar o rumo das coisas, esquece-se do principal.
Guardiola ou Mourinho poderão fazer as convocações que bem entenderem
ou terão que manter as convocações “geográficas”, sempre tentando
agradar uma praça local em um amistoso, ou mesmo aquelas que ajudam
jogadores a abrirem mercado na Inglaterra, que só contrata
selecionáveis? Poderão contar com seus principais nomes ou terão que
abrir mão de um ou outro porque o Brasileirão não respeita as datas
Fifa? Mourinho ou Guardiola terão liberdade de fechar a Granja Comary e
lidar com criticas com todos ou só meia-duzia, enquanto cumprem um ou
outro compromisso midiático/publicitário? Que revolução farão, sem
liberdade? Material humano no banco de reservas o País já tem. Uma nova
geração que está lendo Wenger e Mourinho, assiste jogos e não se espanta
com Joel Campbell ou o quarteto destruidor da Alemanha. Aliás, isso
vale também para muitos dos colegas de imprensa, cujo raio de visão não
passa do Tietê ou de Copacabana.
A Alemanha pulverizou vários recordes brasileiros. Ultrapassou a
Seleção no números de gols marcados em Copas, em número de finais
disputadas; Klose deixou Ronaldo para trás, num pequeno castigo para o
ex-grande jogador, cada vez mais boquirroto fora das quatro linhas. Foi a
maior goleada sofrida pelo Brasil em 100 anos de história. A mais
parecida data do amadorismo, de 1920. Um último orgulho ainda está
ameaçado, por uma gestão quase tão amadora, porque tem muito mais
dinheiro, quando àquela de 20: o Brasil jamais deixou de participar de
uma Copa do Mundo. Vem aí as eliminatórias para a Rússia e sim, o pior
ainda está por vir.
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