quinta-feira, 10 de julho de 2014

O pior ainda está por vir

 
O futuro não é mais como era antigamente, já cantava Renato Russo. A humilhante goleada por 7 a 1 imposta pela Alemanha ao Brasil na histórica semifinal da Copa do Mundo é, acima de tudo, um recado muito claro ao futebol brasileiro. Resta saber se o país irá entender.
Vinte e quatro horas depois da acachapante eliminação, já se viu de tudo. Desde uma coletiva patética da comissão técnica do Brasil, numa tentativa barata de explicar o inexplicável, até a chegada da Argentina à decisão do Mundial. Os eternos rivais poderão ser campeões aqui, mas nem de longe isso será o pior. O que pode vir pela frente sim, será ainda mais humilhante que levar sete em casa.
O futebol brasileiro está perdido. O jogo, que dura 90 minutos e está sujeito à intempéries como as de ontem, foi apenas mais um sinal. A Alemanha destroçou os sonhos do Brasil, mas deixou acima de tudo um grande exemplo de como sair desta armadilha que as cabeças pensantes (?) do futebol brasileiro enfiaram o futebol nacional. A partir do legado esportivo da Copa.
O Brasil ganhou 12 novos estádios para a Copa, sem contar as casas novas de Grêmio e Palmeiras. Algo parecido com o que os alemães viveram em 2006, quando reformaram seus estádios para cairem numa semifinal contra a Itália. Não foi por 7 a 1, mas ajudou a mudar a cara do futebol alemão. A começar pela base da equipe. Os alemães reconheceram os erros, não qualificando como “pane”, “tsunami” ou “atípica” a derrota. Valorizaram os jovens talentos, limparam o que havia de ruim. Refizeram sua ideia de futebol. Foram semifinalistas em 2010 e finalistas novamente agora. Ganhar é questão de tempo. Há um trabalho real. Por aqui é dificil afirmar o mesmo. É verdade que essa geração ficará marcada, mas também é verdade que bons valores como David Luiz, Oscar e Neymar devem seguir na Seleção.
O contrário será zerar novamente, como foi feito com Dunga. Não duvido. Como foram cruéis com Dunga, um técnico que valorizou o time nacional e equiparou condições de trabalho. Foi traído até por quem beneficiou. Do zero, o Brasil ainda chegou à uma semifinal. Passou uma vergonha histórica, que mostrou o que é vergonha de verdade, nada como o pobre time de 1950, que foi o primeiro a chegar a uma final, ou o de 1990, que perdeu um jogo igual para a Argentina. Mas, confesso, isso também não é o pior.
O pior é ver que o sucateamento do futebol nacional está na cara de todos e nada acontece. Os clubes estão quebrando. Eles, que formam os jogadores, vivem em um calendário insano, prejudicial, com diferenças gritantes entre cotas de televisão para um mesmo campeonato, o que acabará por liquidar de vez o modelo. De onde sairão novos jogadores, se o interior está falindo e os médios não tem força de competir com dois ou três privilegiados financeiramente? Essa foi a Seleção menos Brasileira de todos os tempos, com apenas quatro jogadores atuando no futebol nacional. E isso porque até mesmo clubes como Shakhtar Donetsk ou Zenit conseguem levar os talentos daqui cada vez mais cedo. E quem pode condenar um Vitória, Coritiba ou mesmo o Grêmio em vender seus jogadores ainda mal formados quando se compete contra um milionário Corinthians?
Por falar no Timão, a nova casa corintiana recebeu a semifinal entre Holanda e Argentina e se despediu da Copa. Volta já na próxima quarta, com Inter x Corinthians, bom jogo. Mas como irá sobreviver ao longo dos anos quando acolher um Mirassol x Corinthians numa quarta a noite, 22h, pela segunda rodada do Paulistão? Quem pagará a conta da abertura desta Arena, ou na Baixada para um Iraty x Atlético, no Beira-Rio para um Inter x São Luiz nas mesmas circunstâncias? A CBF é que não.
A Conferação, que vira as costas aos seus clubes, não irá ajudar nem a manter estádios públicos, muito mais problemáticos, como a Arena Amazônia. A cúpula do futebol nacional não perdeu tempo e marcou amistosos contra Colômbia e Equador nos EUA e contra a Argentina em Pequim. Os direitos dos jogos pertencem a um grupo internacional, que preferiu movimentar outras praças que não Brasília, Cuiabá ou Manaus, as mais problemáticas da Copa. Mas não me furto em pensar que algum jogo do Brasileirão seja deslocado para alguma destas cidades, na tentativa de tapar o buraco.
Um técnico estrangeiro na Seleção é o debate do momento. Convenhamos, ninguém duvidava da capacidade de Felipão com essa seleção. Ele segue, assim como Parreira, um campeão do Mundo. O que fez de bom, não se apaga. O que fizeram de ruim, em 2006 e agora, também não – e olha que foram desvios de conduta muito parecidos (valeu, Dunga). No entanto, enquanto se discute o lado tático do Brasil, a falta de inovação e a morte do jogo bonito, enquanto se pensa em trazer um Guardiola ou um José Mourinho para mudar o rumo das coisas, esquece-se do principal.
Guardiola ou Mourinho poderão fazer as convocações que bem entenderem ou terão que manter as convocações “geográficas”, sempre tentando agradar uma praça local em um amistoso, ou mesmo aquelas que ajudam jogadores a abrirem mercado na Inglaterra, que só contrata selecionáveis? Poderão contar com seus principais nomes ou terão que abrir mão de um ou outro porque o Brasileirão não respeita as datas Fifa? Mourinho ou Guardiola terão liberdade de fechar a Granja Comary e lidar com criticas com todos ou só meia-duzia, enquanto cumprem um ou outro compromisso midiático/publicitário? Que revolução farão, sem liberdade? Material humano no banco de reservas o País já tem. Uma nova geração que está lendo Wenger e Mourinho, assiste jogos e não se espanta com Joel Campbell ou o quarteto destruidor da Alemanha. Aliás, isso vale também para muitos dos colegas de imprensa, cujo raio de visão não passa do Tietê ou de Copacabana.
A Alemanha pulverizou vários recordes brasileiros. Ultrapassou a Seleção no números de gols marcados em Copas, em número de finais disputadas; Klose deixou Ronaldo para trás, num pequeno castigo para o ex-grande jogador, cada vez mais boquirroto fora das quatro linhas. Foi a maior goleada sofrida pelo Brasil em 100 anos de história. A mais parecida data do amadorismo, de 1920. Um último orgulho ainda está ameaçado, por uma gestão quase tão amadora, porque tem muito mais dinheiro, quando àquela de 20: o Brasil jamais deixou de participar de uma Copa do Mundo. Vem aí as eliminatórias para a Rússia e sim, o pior ainda está por vir.

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