Joko Widodo, conhecido em todo o mundo como Jokowi, que deixou sem
resposta por uma semana o telefonema da presidente Dilma Rousseff para,
ao final, negar-se a assinar o ato de clemência que livraria dois
brasileiros, Marco Archer e Rodrigo Gularte, do fuzilamento por
traficarem drogas, é apenas o segundo presidente a ser eleito pelo voto
direto na Indonésia. Escolhido após uma campanha duríssima e polarizada,
descrita por um analista político como a “guerra nas estrelas da
Indonésia”, foi recebido por expectativas que dificilmente será capaz de
satisfazer. Não pertence à oligarquia dominante do país, acostumada a
mandar, com ou sem democracia. Vem de uma carreira muito popular na
política local e estadual. Sua coalizão é minoritária no parlamento, com
apenas 37% das cadeiras, e sua tendência é apoiar-se no apelo popular
para compensar a fragilidade política de seu governo. Os desafios são
imensos, a democracia é nova e frágil, a corrupção é endêmica, a
economia está em crise, tem uma megapopulação espalhada por 8300 ilhas,
extremamente vulnerável a eventos climáticos e naturais extremos, vive
permanente ameaça de radicalização islâmica e confrontos com minorias
étnicas e religiosas muito importantes. Em Papua o movimento separatista
ainda persiste. Ele diz que está disposto a trabalhar com todos os
partidos, mas a polarização radicalizada da campanha torna quase
impossível obter a cooperação dos seus adversários. É comparado a Obama,
por vir de fora da elite política, pelo voluntarismo e pela simpatia
pessoal e habilidade motivacional. Mas como o próprio Obama descobriu,
simpatia, habilidade motivacional e popularidade não são recursos
suficientes para realizar as expectativas inflacionadas pelas promessas
de campanha e pela esperança nascida da vitória de alguém que não faz
parte do “sistema”.
Jokowi, até então um exportador de móveis de madeira, foi eleito
prefeito da pequena cidade de Solo, na região central de Java, em 2005 e
reeleito, em 2010, com 90% dos votos. Em 2012, foi eleito governador de
Jakarta, com votação consagradora. No ano passou elegeu-se presidente
da quarta maior população do mundo, aos 53 anos de idade, com 53% dos
votos, prometendo combater a corrupção, o clientelismo e os privilégios
da oligarquia. Seu oponente, o general aposentado Probowo Subianto, é
filho de economista e ex-ministro dos ditadores Sukarno e Suharto,
divorciado de uma filha de Suharto, seu cunhado foi presidente do Banco
Central e seu irmão é um bilionário. Jokowi, filho de madeireiro e
engenheiro florestal, confrontado com suas credenciais, parece ser um
homem do povo, bem sucedido na política regional. Considerado um
muçulmano moderado, defensor do pluralismo religioso (seu vice-prefeito
era católico) e dos direitos humanos, sucede a um presidente islâmico de
corte mais fundamentalista, no país que tem a mais ampla maioria
muçulmana, em números absolutos, de todo o mundo. É um fenômeno
eleitoral e um estranho no ninho da política de seu país. Amante do
rock, fã incondicional do Metallica e de outros grupos de metal, foi
apoiado por grandes celebridades do rock mundial, como o cantor Jason
Mraz, o guitarrista do Guns N’ Roses “Bumblefoot” Thal e Sting.
O apelo popular tem sido seu principal trunfo. Durante o primeiro
debate na TV, na campanha presidencial, disse que, para ele, “democracia
é ouvir o povo e fazer aquilo que ele quer que eu faça”. Foi a mesma
razão que encontrou para se recusar a comutar a pena de morte de dezenas
de estrangeiros e indonésios condenados por tráfico de drogas. A ampla
maioria da população pedia sua execução. Mas, certamente, não é a melhor
maneira de inaugurar suas relações com outra economia emergente, parte
do G20. Ainda que fosse para recusar, um diplomata profissional lhe
indicaria formas mais protocolares e amistosas de dar a má notícia à
governante de um país amigo, ainda que distante. Por outro lado,
demonstrou, ao apoiar as execuções, em respeito à vontade popular e à
decisão do Judiciário, após o devido processo legal, que sua visão de
direitos humanos tem limites bem definidos.
A maioria dos analistas considera a falta de experiência para lidar
com assuntos internacionais sua principal fraqueza. É um “político
local”, dizem, populista e popular, que não tem uma visão cosmopolita da
política. O que Jokowi tem mostrado com suas primeiras atitudes no
plano internacional é que põe em primeiro lugar os interesses
estritamente nacionais. Tudo o que fez até agora tem sido controvertido.
Nomeou a diplomata Retno Marsudi, embaixadora na Holanda, para o
ministério das Relações Exteriores. A primeira mulher a ocupar o cargo,
ela não é conhecida. A maioria dos analistas de relações internacionais
diz que não é possível dizer o que sua nomeação significa para o futuro
das relações externas da Indonésia. Alguns poucos que a conhecem como
embaixadora na Holanda, dizem que ela incrementou significativamente o
comércio entre os dois países e o presidente deseja um chanceler mais
ativo no campo comercial. Soa familiar. Jokowi tem mostrado mão pesada
em lidar com questões internacionais que vinham incomodando a muitos a
muito tempo. A pesca predatória nas costas da Indonésia, por exemplo,
levou-a a mandar a guarda costeira confiscar navios de pesca
vietnamitas, retirar a tripulação e bombardear as embarcações. Uma
mensagem pouco amistosa ao Vietnam. Em resposta à entrada de vários
navios australianos em águas indonésias, com refugiados que haviam tido
asilo recusado, alertou o governo da Austrália, dizendo que era
inaceitável e que a lei internacional devia ser respeitada. Tudo indica
que Jokowi não tem muito interesse em agradar politicamente a aliados
externos. Prefere agradar ao povo. E a alguns políticos tradicionais,
dizem alguns de seus primeiros críticos, após o anúncio do gabinete que,
ao contrário do que prometeu, não tem só profissionais. Há vários
políticos ligados ao status quo.
Já na economia, é diferente. Sua primeira entrevista para a mídia
ocidental foi para o Wall Street Journal, ao qual disse que pretende
reduzir as barreiras à entrada de investimentos estrangeiros e reduzir a
burocracia, para atrair investimentos principalmente para a
infraestrutura logística do país. Disse, na entrevista que o orçamento
do país é limitado e que a indonésia precisa de investimentos
estrangeiros para construir seus portos em alto mar e aeroportos de
categoria internacional. Ele já fez contatos com investidores
internacionais e parece ter conquistado muita simpatia entre eles. No
começo do mês, fez sucesso entre economistas e ambientalistas, nem
sempre do mesmo lado, ao reduzir drasticamente os subsídios aos
combustíveis fósseis.
Até agora as escolhas de política externa de Jokowi têm sido muito
claras, nenhum interesse em cultivar relações diplomáticas protocolares,
uma diplomacia mais voltada para os negócios do que para os palcos
multilaterais ou para as cortesias bilaterais. Talvez essas escolhas e o
olho treinado para o que o povo quer, expliquem porque Jokowi esperou
uma semana para atender sua colega brasileira e lhe dizer não.
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