Presidente uruguaio, José Mujica, assina lei que regulamenta produção, comércio e consumo da droga
MONTEVIDÉU - O presidente uruguaio, José Mujica, assina hoje a regulamentação que cria o primeiro mercado de maconha legal do mundo. Mais de duas semanas depois do prazo, após 60 reuniões entre sete ministérios e quase cinco meses após ser aprovada pelo Parlamento, a lei que permite aos uruguaios o consumo de 40 gramas de maconha por mês entra em vigor amanhã.
Além de regulamentar o consumo, a lei cria clubes canábicos e permite
o cultivo de até seis plantas em casa. Em 15 dias, o governo Mujica
abrirá concurso público para a concessão de duas a seis licenças para a
produção de maconha para a venda em farmácias.
Segundo anúncio oficial, bastarão 10 hectares para a produção de 18 a
22 toneladas de maconha, quantidade suficiente para o mercado local. Um
grama da droga custará entre 20 e 22 pesos uruguaios (em torno de R$
2). "Queremos dar um golpe no narcotráfico, tirando dele parte do
mercado. Nenhum vício é bom, o único que sugiro aos jovens é o amor",
disse Mujica, no sábado, após o governo apresentar detalhes da lei.
Uruguaios maiores de 18 anos - cidadãos ou naturais - ou residentes
permanentes deverão se registrar em uma das categorias do Instituto de
Regulação e Controle da Cannabis (Irca): como consumidores, cultivadores
autônomos (até seis plantas e produção de 480 gramas por ano) ou sócios
de um clube canábico (até 99 plantas ao todo, entre 15 e 45 sócios e
máximo de 480 gramas por ano por sócio).
Os consumidores poderão comprar 10 gramas por semana nas farmácias. O
governo plantará cinco variedades diferentes, mas clubes e cultivadores
autônomos poderão ter as variedades que quiserem. O Irca será
presidido, no início, por Julio Calzada, hoje secretário da Junta
Nacional de Drogas.
Para proteger a identidade dos usuários o governo usará um algoritmo
com base em impressão digital. O sistema funcionará assim: o consumidor
irá até uma agência dos correios, com sua carteira de identidade, que
não será registrada.
Um funcionário tomará duas impressões digitais (indicador direito e
esquerdo), que serão usadas para criar o algoritmo pessoal. Então, será
emitido um bilhete com a confirmação do registro e o número de usuário
com o qual o consumidor será identificado. Com esse bilhete, ao chegar à
farmácia, o consumidor colocará o dedo em um sensor, que identificará a
digital e liberará a venda.
"Fizemos estudos entre consumidores para decidir como distribuir a
droga sem estigmatizar. Todos os dados pessoais são protegidos como
dados sensíveis pela lei", disse o secretário da presidência, Diego
Cánepa. Só farmácias comunitárias ou de primeira linha, segundo o
Ministério de Saúde, poderão vender maconha.
O registro de farmácias, clubes e cultivadores no Irca não terá
custo, mas exigirá algumas informações. Os clubes deverão ter pessoa
jurídica, estatuto, sede e terão de informar mensalmente ao Irca dados
sobre produção e distribuição entre os sócios.
Cultivadores autônomos poderão plantar maconha no quintal, mas
deverão apresentar constância de domicílio e documentos que provem que
são proprietários ou inquilinos do imóvel. O Irca pode pedir registros
ou amostras das variedades de plantas que eles cultivarem.
O governo ainda não divulgou onde será cultivada a maconha estatal.
As empresas deverão fornecer dados sobre a origem das sementes, além de
designar um responsável técnico e declarar as origens do dinheiro. Os
produtores deverão pagar a licença - valor ainda não divulgado -,
distribuição e embalagem em pacotes de 10 gramas. Excedentes na produção
ficarão com o Irca. "Quem não for parte da cadeia de distribuição, não
estiver legalmente cadastrado no Irca e tiver mais de 40 gramas de
maconha será penalizado pela lei", disse Cánepa.
A lei estabelece multas e penalidades (confiscar produtos, lacrar
propriedades e cassar registros de forma temporal ou permanente). "Isto é
um tema de saúde pública e de segurança. Consideramos que é melhor o
mercado ser visível, não invisível", disse Cánepa. "Achamos que, no
primeiro ano, o mercado ilegal diminuirá, não só por motivos de preço,
mas pela qualidade e segurança que ofereceremos. Não acreditamos em
aumento no consumo da droga."
A maconha em farmácias poderá ter até 15% de THC, substancia
psicoativa da planta, e não está sujeita a impostos. A droga será
tratada como medicamento controlado, não poderá ficar à vista e terá
mecanismos de rastreabilidade.
A regulamentação proíbe fumar maconha em espaços fechados, lugares de
trabalho ou educativos, em áreas de saúde, no transporte público,
ambulâncias ou transporte escolar. Não é permitido dirigir sob efeito da
droga - em caso de suspeita, será feito teste de saliva. Eventos que
estimulem o consumo estão proibidos. "São as mesmas condições que temos
para o consumo de tabaco e é o mesmo procedimento que enviamos ao
Parlamento para restringir o mercado de álcool", explicou Cánepa.
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